Prece a um Tecelão

Linhas de partição, traçadas
com névoa gris sobre a areia, cruzam,
entristecendo, a radiosa e cândida paisagem.
Fiam-se, infladas, na própria eternidade,
até que passos lépidos de uma nova dança
culminem por confiná-las às estórias infantis.
Hoje parecem fábulas,
as linhas plúmbeas de outrora, desenhadas
com sangue de bravos e inocentes.
Padeceram e pereceram os corajosos
e destemidos, visando, esperançosos,
a que todo o sangue vertido, algum dia
não fosse mais do que um inerte coágulo,
um enredo cativante e assustador
a entreter e instruir jovens e crianças.
E lá se foram tantos, pelo seu instinto protetor,
seguros ao martírio: para que o horror
só alcançasse os seus filhos nas estórias de terror.
Queira a arte que nunca sejam esquecidos!
Queira a arte que a glória dos seus antigos
sonhos alcance o sofrimento eternizado
na história e também participe das fábulas
e estórias, como mitos e parábolas,
possibilidades bordadas em nossas almas.
Queira o Rebento Futuro que, sobre todo o sangue vertido,
e sobre os escombros de sonhos esquecidos,
sejam erigidas sólidas fundações de uma nova cidade!
Qual cidade poderia ser mais sólida
do que aquela que habita as nuvens,
os balões de ar quente, que ainda não são pensamentos...
... os fios de Ariadne que alcançam
os nossos sonhos e nos transformam
antes de despertar?
Nos passos de dança sobre a areia...
Nas danças das guerras cobradas pela matéria...
... que as doídas linhas de partição
encontrem as mãos de um artista-tecelão,
capaz de convertê-las em um cobertor macio
para aquecer os mitos neonatos e os recém-nascidos!