Mímese

Entregue ao ventre da Noite, sob a forma de ataúde,
de sombra inerte a Espírito que aprende,
o homem desperta para o que, há tempos,
jazia ignorado em si: o vazio do silêncio.
Já não escreve, cândido, mensagens na areia,
por saber que os homens perderam o laço com o Céu:
já não ouvem, de Cima, qualquer palavra justa,
mas afeiçoam-se ao ímpio por trazer consigo
registro, norma, carimbo e papel.
Teve o corpo desmembrado; o sofrimento, entronizado.
E, nos mistérios mais doídos, descobriu-se iniciado:
da Morte, aprendeu a vida; da Vida, que não se foge à Sorte.
Depois do drama convertido em tragédia,
da queda, fez-se a própria apoteose;
do caos, fez nascer, então, a ordem,
quando no ataúde bebeu, do cálice,
o vinho que lhe concedeu a saúde.
Da lâmina mais afiada, gerou o Corte.
Partiu a Noite tenebrosa em duas metades:
do breu agonizante, criou a saudade;
do sol causticante, gerou o abraço.
Reproduziu, no seu pequeno mundo, a cosmogonia,
a partir de um centro de mundo qualquer, de um santuário.
Fez nascer do Tempo, outrora criado,
um Templo para o Amor, um berço para a dor
e, para a morte, um Estuário.