Arremedo da Assunção
Mãe, por que teu ventre ainda me despedaça?
Por que amargo uma cisão que não passa?
Por que teu nome traz nuvens tão densas,
rasgando o meu peito, desaguando-me em tormentas?
Por que minha existência nunca foi o bastante?
Por que tua bênção sempre foi dissonante?
Por que não repousas a mão sobre tua cria,
a não ser com o peso espinhoso da reprovação?
Por que no cálice do teu vinho só há veneno?
Por que sonhos contigo são só pesadelos?
Por que, no teu mundo, o amor é tão pequeno,
que não permite um bálsamo, cura ou alento
para a dor de tamanha censura e desprezo?
Por que teus pés espezinham, sem dó,
a flor que te via flor, quando pequenina?
Por que a menina de ontem precisa de armaduras,
de segredar esconderijos de tua peçonha?
Que esperança de alento pode nutrir pelo mundo
quem, no colo de sua mãe, não o encontra?
Por que a mão de Deus só te alcança,
se for toda lança e nada compaixão?
Por que o Deus, por ti, evocado,
mora na ponta do teu dedo; e não, no coração?
Que desgraça te causei nascendo menina,
que me faça ser, da Eva, a maldição,
enquanto no teu peito hipócrita e mesquinho,
sacrossanto e puro manteve-se Adão?
Por que para viver preciso desta distância?
Por que só posso sorrir, se tua visão não me alcança?
Por que teu ventre nunca descansa
de tentar reverter o curso do tempo?
Teu amor é, do absurdo do mundo, o cúmulo,
que não me deixa dormir sem armas nem sustos,
de que sonhas ver, em mim, um quê da paixão de Cristo,
pondo em minha testa a coroa de espinhos,
para fingir ser Maria a chorar de dor sobre o túmulo.