O Gritedo das Santinhas
O GRITEDO DAS SANTINHAS (Um Diálogo Imaginário)
- Já reparou como as heroínas são sempre gostosinhas e ficam de roupa curta? - ela me perguntou.
- E?
- Objetificação feminina. As Pin Ups são o exemplo máximo disso!
- Eu acho que elas ficam bonitas e femininas assim.
- Isso é o teu machismo falando. Herança da sociedade patriarcal.
- Hummm... E compartilhar foto de boyzinho saradinho de cuequinha boxer no Whatsapp é o que mesmo?
- Nada a ver. Isso é entre nós. Os homens só avaliam mulheres por peito e bunda. Nem precisa do resto.
- Ah, e as mulheres os avaliam pela dignidade! ?
- Não é assim. Nós não avaliamos um homem apenas por uma parte do corpo.
- E aqueles comentários cheio de risinhos e olhares quando estão em grupo do tipo: "Olha lá o fulaninho, nem é bonito, mas você reparou na bundinha dele? Dá vontade de morder."
- Ah para! Eles não é sofrem com uma objetificação. Eles nem ficam sabendo...
- Sim, porque são cegos, surdos e mudos...
- Eles não sofrem as pressões machistas das mulheres de ter de estarem sempre bonitas, maquiadas, depiladas, etc.
- Talvez, mas ai deles se falharem na hora H. São esculhambados. E, ) não bastasse isso, todo o clube da luluziha fica sabendo... ou estou enganada?
- Eu não espalho.
- Claro, só para uma amiga de confiança. Ela também tem uma amiga de confiança. Não?
- Nem toda a mulher é assim.
- Verdade. Existem algumas discretas. Só um olharzinho de decepção. Afinal, perderam tempo se maquiando "para nada".
- É verdade, ué!
- Se não é objetificação, é o quê? Utilidade? Fazer valer o investimento em manicure, depilação e o escambau?
- Eles não têm essa exigência de estarem sempre perfeitos.
- Têm outras. É diferente. Ninguém passa ileso. Relações humanas.
- Eu nunca fiz nada disso. Nunca falei nada disso pro meu marido.
- É mas já lhe recomendou a "balinha azul", ou está me falhando a memória? Aliás, eu fiquei sabendo disso!
- Eu estava preocupada com ele. Já fazia uma semana!
- Tem razão! Que horror! Devia ser motivo pra processo com direito à indenização.
- Tu tá defendendo o indefensável: o machismo e a "objetificação".
- Agora entramos no "TU". A porra ficou séria. Objetificação. E lá vamos nós descambar de novo nessa palavra que nem o corretor ortográfico reconhece... De volta ao gritedo das santinhas!
- E por falar nisso, o que você me diz então da exigência de ser puta na cama e santinha fora que os homens têm.
- Homens ou Moleques?
- Tem cara com 50 anos que ainda pensa assim.
- Não aprendeu muito com a vida. Moleque. É melhor pular fora.
- Mas a verdade é que querem uma puta e uma santa.
- Exato. Duas separadas. Moleque.
- Não. Tudo na mesma.
- Esquizofrenia do moleque. Insegurança. Uma santinha é cheia de senãos, não-me-toques e restrições. Desculpa perfeita para arrumar uma puta. Moleque. Perda de tempo.
- É muito bonita essa tua visão, mas a verdade é que temos sim todas essas exigências.
- Por que querem. Esquizofrenia das molecas. Insegurança. Perda de tempo.
- Vai dizer que, às vezes, tu não quer ficar bem à vontade e se obriga a te arrumar toda por causa dele?
- Se eu quero ficar bem à vontade, ponho um pijama, pantufas, moletom e fico de cara lavada e bocejando. É relaxante. Da mesma forma que se eu estou meio baixo astral, ou apenas se estou a fim, eu me arrumo e me maquio mesmo que seja pra ficar em casa no sofá lendo um livro.
- Papo furado!
- Eu já saí da adolescência há algum tempo. Insegurança é uma perda de tempo e de energia. Fazer o que eu quero na hora que eu quero é libertador. Devia tentar.
- Bem, se tu te acha...
- Não. Vivo me procurando.
- Devia ser mais humilde.
- E isso implica em abanar o rabo, te impor sacrifícios para depois nutrir ressentimentos de homens que não se impõem milhões de coisas e desfilar um rosário de cobranças e insatisfações?
- Você coloca todo o peso na mulher! Isso é o patriarcado falando através de ti! - Como se tivesse me baixado a pomba gira? Voltamos ao "VOCÊ "? VOCÊ ou TU? Decide logo para eu adaptar minha palestra educativa facebookiana.
- Aff... Arrogante.
- Se for assim, então eu sou mesmo. Paciência, mas me recuso a ficar redemoinhando. Isso me parece melhor do que me avaliar por um terceiro a quem passarei a vida combatendo por liberdade. Liberdade é viver independente da opinião alheia, fazer o que me faz feliz.
- Ah, tá. Vai me convencer que nada disso te afeta?
- Afeta, mas insisto na liberdade. É mais fácil me convencer do que convencer o outro. Além do mais, é prazeroso me soltar. É uma brincadeira, tipo montanha russa. Dá medo mas é uma aventura!
- Mas eles têm que mudar esse pensamento!
- Agora sim! Vamos conjugar o verbo TENCAR. As crianças têm que estudar. As pessoas têm que aprender. E o analfabetismo funcional e emocional continuam a despeito da beleza desse verbo...
- Ironia e sarcasmo são irritantes. É insuportável falar contigo.
- Ironia e Sarcasmo são didáticos. Irritam. Quando bate a emoção, a gente aprende. É melhor que o discurso do "tem que isso, tem que aquilo". Ninguém escuta.
- É, mas assim tem gente que não vai querer mais falar contigo!
- Paciência. Se o incômodo der um empurrãozinho para soltar as amarras, já me dou por satisfeita. A criatura nem precisa mais olhar para a minha cara. - Mas é deselegante.
- É verdade, nisso estamos de acordo. Estou cada dia mais parecida com meu pai.
Deise Zandoná Flores
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